Colaboração premiada: os entendimentos mais recentes sobre o acordo entre Estado e investigado
O crescimento do crime organizado tem sido uma das maiores preocupações das autoridades brasileiras na área da segurança pública. A fim de obter informações sobre as organizações criminosas, o Estado unificou na Lei 12.850/2013 a legislação sobre o acordo de colaboração premiada. Esse instituto é um importante meio de obtenção de provas, ao permitir que os investigados recebam benefícios penais ou processuais em troca de informações capazes de identificar outros criminosos, revelar a estrutura e as tarefas da organização, prevenir a ocorrência de novos crimes, recuperar valores e localizar eventuais vítimas. O acordo de colaboração é de grande valia para os órgãos de investigação e repressão à criminalidade organizada, mas deve ser conduzido sempre em conformidade com a lei, para que as informações obtidas possam ser efetivamente utilizadas no processo penal. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já estabeleceu uma série de entendimentos sobre o tema, e continua decidindo, cotidianamente, as mais diversas controvérsias sobre a aplicação do instituto. A discricionariedade do órgão julgador na redução da pena diante da colaboraçãoEm 2019, a Sexta Turma negou provimento a um recurso que buscava a aplicação da fração máxima da causa de diminuição de pena, interposto por condenado beneficiado pelo acordo de colaboração premiada. O relator do REsp 1.728.847, ministro Sebastião Reis Júnior, apontou que a fração fixada na sentença, apesar de mínima, estava dentro do limite legal, segundo o artigo 14 da Lei 9.807/1999. "A fixação da fração de redução – de um terço a dois terços –, pela incidência da delação premiada descrita no artigo 14 da Lei 9.807/1999, encontra-se dentro do juízo de discricionariedade do órgão julgador", afirmou o magistrado. O ministro destacou que a aplicação da fração de um terço pelo juiz foi devidamente justificada, pois, apesar de indicar outro autor do crime, "a colaboração não contribuiu para a recuperação do restante dos bens roubados". Sebastião Reis Júnior observou que, para rever os fundamentos adotados na escolha da fração aplicada, seria preciso reanalisar fatos e provas do processo, o que é proibido em recurso especial, conforme disposto na Súmula 7. Delatado pode apresentar alegações finais só depois do corréu colaboradorAo julgar o agravo regimental no RHC 119.520, a Quinta Turma, sob a relatoria do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, aplicou o entendimento de que, na colaboração premiada, o réu delatado tem o direito de apresentar suas alegações finais só depois do corréu delator, quando as alegações deste tiverem carga acusatória. Em decisão monocrática, posteriormente confirmada pelo colegiado, o relator anulou todos os atos de uma ação penal praticados após as alegações finais, que tiveram prazo simultâneo tanto para os réus colaboradores quanto para os demais. Ao atender o pleito da defesa no recurso em habeas corpus, o ministro seguiu a posição do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do HC 166.373. Conforme observou, os prazos devem ser sucessivos, quando as alegações dos réus colaboradores possuírem carga acusatória, sob pena de violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa. O magistrado destacou que a inobservância desses princípios gera nulidade absoluta e não necessita de comprovação de prejuízo, "tamanha a gravidade do vício". Reynaldo Soares da Fonseca comentou que, no caso analisado, a única exigência para a declaração de nulidade era a necessidade de o vício ser alegado na primeira oportunidade de manifestação da defesa, evitando, assim, a chamada "nulidade guardada" – ou "nulidade de algibeira". Ele constatou, entretanto, que desde o início a defesa da ré delatada requereu o direito de apresentar suas alegações finais por último. Magistrado não pode emitir juízo de valor ao rejeitar o acordoA Quinta Turma, ao julgar o HC 354.800, entendeu que, quando da remessa do acordo de colaboração premiada ao Poder Judiciário para homologação ou rejeição, o magistrado deve se limitar à análise de legalidade, voluntariedade e regularidade do negócio jurídico processual personalíssimo, não lhe sendo permitido realizar juízo de valor – de conveniência e oportunidade – sobre as declarações ou os elementos informativos constantes do acordo. No caso analisado, uma mulher impetrou ##habeas corpus## contra a decisão de desembargador do Tribunal de Justiça do Amapá (TJAP) que deixou de homologar o acordo em que ela era colaboradora, ao fundamento de que as suas declarações não teriam relevância para a resolução da ação penal. O relator no STJ, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, afirmou que o desembargador extrapolou o seu poder-dever ao rejeitar o acordo de colaboração premiada. Segundo o ministro, ao examinar o acordo, o relator no TJAP deveria apenas verificar os aspectos de legalidade, voluntariedade e regularidade, sob pena de violação do sistema acusatório e de comprometimento de sua imparcialidade, pois ainda não havia provas efetivamente produzidas a serem valoradas pelo julgador.
Decisão que não homologa colaboração premiada é impugnada por apelaçãoAo julgar o REsp 1.834.215, a Sexta Turma, sob a relatoria do ministro Rogerio Schietti Cruz, considerou que a apelação é o recurso adequado para impugnar a decisão de juiz que recusa a homologação do acordo de colaboração premiada. Ante a falta de definição na lei sobre o recurso adequado, o colegiado identificou, entre os instrumentos recursais existentes no direito processual penal, qual seria o recurso cabível para revisar a decisão de primeiro grau. A turma deu provimento ao recurso para, aplicando o princípio da fungibilidade recursal, determinar que o tribunal de origem recebesse como apelação a ##correição parcial## interposta pelo Ministério Público, já que a existência de dúvida objetiva quanto ao instrumento cabível afastava a caracterização de erro grosseiro. Schietti comentou que, conforme destacado pelo ministro Reynaldo Soares da Fonseca no HC 354.800, a decisão que rejeita o acordo de colaboração possui conteúdo decisório, pois é capaz de produzir modificação na esfera jurídica material e processual daqueles que o celebraram, bem como gerar prejuízos para as partes, razão pela qual a simples ausência de previsão normativa na Lei 12.850/2013 quanto ao recurso cabível não torna a decisão irrecorrível. Assim, o colegiado decidiu que, em conformidade com o artigo 593, inciso II, do Código de Processo Penal (CPP), o meio mais adequado para refutar a não homologação do acordo é a apelação criminal. "A decisão não ocasiona uma situação de inversão tumultuária do processo, a atrair o uso da ##correição## parcial; tem força definitiva, uma vez que acaba com o negócio jurídico processual e com o meio de obtenção de prova; e as hipóteses de cabimento do recurso em sentido estrito são taxativamente previstas no artigo 581 do CPP, cujos incisos não tratam de hipótese concreta que se assemelha àquela prevista no artigo 4°, parágrafo 8°, da Lei 12.850/2013", afirmou o relator ao descartar outros instrumentos recursais. Pessoa jurídica não tem capacidade para celebrar acordo de colaboraçãoNo julgamento do RHC 154.979, em agosto deste ano, a Sexta Turma estabeleceu que as pessoas jurídicas não têm capacidade nem ##legitimidade## para firmar o acordo de colaboração previsto na Lei 12.850/2013. Em seu voto, o desembargador convocado Olindo Menezes observou que o instituto da colaboração premiada tem, para o colaborador, o objetivo personalíssimo de obter redução ou mesmo isenção de pena, o que, até mesmo pela excepcionalidade da norma, não se aplica às pessoas jurídicas, cuja responsabilidade penal se limita aos crimes ambientais. "Como não se mostra possível o enquadramento de pessoa jurídica como investigada ou acusada no tipo de crime de organização criminosa, também não seria lícito qualificá-la como ente capaz de celebrar o acordo colaboração premiada, menos ainda em relação aos seus dirigentes, aos quais pertence essa opção personalíssima", declarou Olindo Menezes.
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